Dados Pessoais – A Revolução entre o Facho e o Capital

artigo por João Gabriel , Partner na MICC,  Presidente da Associação de Encarregados de Proteção de Dados e formador na Academia Data Protection Officer @Rumos

 

O dia 28 de janeiro de 1981 marca o início de uma viragem de século no que diz respeito à sociedade em que vivemos. A assinatura do Tratado 108 do Conselho da Europa, permitida desde esse dia, marcava os primeiros passos de uma nova era, em que a sociedade começa a repensar o contrato social que tomava por adquirido.

Ao deixar que o primeiro tratado internacional vinculativo sobre proteção de dados visse a luz do dia, permitiu-se igualmente que se questionasse abertamente os cânons sobre os quais estavam estabelecidas as estruturas de sociedade de então.

39 anos passados, e ainda estamos no começo da viagem. 39 anos e ainda não é história.

Na verdade, de acordo com a visão que nos é ensinada nas escolas sobre história, percebemos que a mesma se relata através de grandes acontecimentos, através do quotidiano das várias classes que compõem a sociedade, ou através das forças económicas, sociais ou naturais que moldam a sociedade.

Nem o contrato social de Locke a Hobbes, nem as teorias de lutas de classes ou os instrumentos de capital que nos permitem olhar para os factos do passado de forma a compreendermos onde nos encontramos, têm em conta este fator – a potencialidade que decorre da existência, acesso, utilização de dados pessoais através de meios total ou parcialmente automatizados.

Desde 1981 que temos uma definição legal, vinculativa que nos diz o que são dados pessoais.

Contudo, ainda não sabemos o que podem vir a ser. Os dados pessoais serão, como se tem vindo a dizer, o novo motor da sociedade? A nova força de opressão de uma classe social contra as outras? O novo meio de poder, ou revolta numa luta contra o poder estabelecido? A tese, a antítese ou a síntese?

Os dados pessoais podem vir a ser todas estas coisas e ao mesmo tempo nenhuma delas, vejamos:

Os dados pessoais são usados para oprimir os indivíduos livres e levar à opressão por parte de uma pequena elite, que tem acesso a esses dados, que influencia e prevê os comportamentos necessários para conduzir o resto da sociedade incluindo alterar o resultado de eleições.

Os dados pessoais são um instrumento capaz de criar uma divisão na sociedade entre gerações e discriminação real no acesso a bens essenciais (desde a informação ao contrato de abastecimento de água que tem de ser feito online).

Os dados pessoais são usados como instrumento de liberdade, como esfera de limite e proteção, numa linguagem atual e universal, em que toda a gente fala de consentimento e RGPD.

Os dados pessoais são ainda um instrumento que permite à humanidade desenvolver novas capacidades e conhecimentos, desde a descodificação do genoma humano, à criação de comunidades científicas e bases de estudo científico mundiais, com modelos de propagação, adaptação, alimentação sustentável e vida em sociedade através da criação de comunidades interculturais de análise comportamental ou smartcities.

Os dados pessoais podem ser o novo capital ou o novo facho e a nova foice. Podem permitir a nova teoria da relatividade ou a propagação do genocídio.

É preciso repensar a democracia, o ensino e a sociedade em que vivemos de acordo com esta possibilidade.

Caso não o façamos, não poderemos evitar as consequências de uma mudança de paradigma, ficando sujeitos a fenómenos como a opressão operária na revolução industrial, a guerra civil numa revolução social ou o genocídio numa Alemanha nazi.

Precisamos de pensar nos dados pessoais não como uma definição legal, nem como um integral num programa, mas sim como um meio de produção que afeta toda a vida em sociedade.

E não podemos pensar, debater, usar este instrumento se não soubermos o que ele é.

Como sociedade devemos rever currículos e programas para introduzir este conceito nas escolas, formações, thinktanks, grupos paroquiais, coros, grupos desportivos, laboratórios, partidos e até ao lado da máquina de café.

Nunca como hoje existiu o palco para uma decisão sobre o caminho da sociedade. O palco que os dados pessoais e a sua capitalização possibilitaram deve ser também a mesa de trabalho sobre o caminho que queremos tomar.